sábado, setembro 30, 2006
falta
A tua ausência.
Sempre a tua ausência a esvaziar-me os dias de um pouco mais de luz. A roubar-me às noites um pouco mais de derreter aqui e afagar ali.
A tua ausência.
Sempre a tua ausência a guardar-te no corpo o que estremecia antes do depois de ti. A atirar-me para dentro do que um dia te pertenceu, e ainda hoje te chama.
A tua ausência.
Sempre a tua ausência a lembrar-me de que, não fosse este vazio cheio de ti e eu acreditaria que foste um sonho.
Existes para lá do que me faltas.
Fotografia: Diego Uchitel
sexta-feira, setembro 29, 2006
eu hoje acordei assim
Como se tivessem sido os teus braços a sacudir-me o sono. Como se os teus beijos fossem os culpados pelo despertar de cada centrímetro desta pele. Como se o teu cheiro fosse o primeiro e único perfume da manhã. Como se o dia lá fora tivesse madrugado para nós, fosse de sol e não nos esperasse.
Eu hoje acordei assim, como quando amanheciamos para amar, sem ti.
Fotografia: Patric Shaw
quando chegar
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o príncipio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.
quarta-feira, setembro 27, 2006
ready for love
I am ready for love,
why are you hiding from me
I'd quickly give my freedom
to be held in your capitivity
I am ready for love,
all of the joy and the pain
and all the time that it takes
just to stay in your good grace
lately I've been thinking maybe you're not
ready for me,
Maybe you think I need to learn maturity
they say watch what you ask for 'cos you might receive
but if you ask me tomorrow, I'll say the same thing
I am ready for love,
would you please lend me your ear
I promise I won't complain
I just need you to acknowledge I am here
If you give me half a chance
I'll prove this to you
I will be patient, kind, faithful and true
to a man who loves music
a man who loves art
respect the spirit world and thinks with his heart
I am ready for love
if you'll take me in your hands
I will learn what you teach
and do the best that I can
I am ready for love
here with an offering of my voice
my eyes, my soul, my mind
tell me what is enough
to prove I am ready for love
I am ready.
o amor que se faz
Ontem chegaste-me envolto na leveza cintilante de um sonho. Fazíamos amor.
Lembras-te?
O amor de que sempre fomos donos, sem nunca nos termos apoderado dele. O amor que nunca soubemos fazer e, ainda assim, que tantas vezes ensaiámos, quais aprendizes, para que quando a hora chegásse estivessemos preparados...
Como pudémos não ver que o Amor estava ali, naquela hora, naqueles instantes? Entre suor, sorrisos e lágrimas, entre o perder o tino e o encontrar-te depois, entre o atirares-me para fora de mim e o esqueceres-te de respirar?Entre a verdade e todas as incertezas?
Como pudémos não saber que o Amor não se ensaia? Existe, em e para além de nós. Faz-se. Assim, sem mais nada.
Fotografia: Denis Piel
domingo, setembro 24, 2006
tanto
Há-de vir o que aqui se canse e aqui descanse. O que aqui desarrume e aqui arrume. O aqui se prive e aqui se alimente. O aqui sonhe e aqui acorde. O que aqui grite e aqui amaine. O que aqui se perca e aqui fique.
Há-de vir o que aqui ame e aqui ame outra vez. E outra.
Fotografia: Jenny Gace & Tom Betterton
tique-taque
O tempo suaviza o que lateja no recorte dos dias. Lima as arestas do que vai ficando para trás . Leva e traz, num tique-taque de relógio a corda, o de sempre ou o de sempre renovado noutros rostos, noutras vozes, noutros tempos.
O tempo que, mesmo quando se nos esgueira e nos parece de cadência descompassada, há-de acabar por colar o que um dia se escangalhou à sua passagem. Depois? Depois, o tempo o dirá.
Fotografia: Fabio Chizzola
quinta-feira, setembro 21, 2006
sem abrigo
Hoje tenho frio, e não há agasalhos que vista que aqueçam o que aqui treme, ou lufadas de ar quente que me tirem esta febre que me embrulha o coração contaminado pelo que não está.
Não era para ser assim. Não hoje.
Fotografia: Michael Thompson
quarta-feira, setembro 20, 2006
despido
Sei que escutas muito para lá do que as minhas palavras te dizem. Sei que vês além do que os meus olhos deixam escapar. Sei que por detrás dos sorrisos encontras os turbilhões que por vezes encubro e te escondo. Sei que me pressentes, sem estar por perto, a te tocar.
Não preciso então de gastar o que não nasceu para se usar mas para se sentir. Apenas, sem enfeites, em bruto, te encontre o que aqui deixo.
Fotografia: Fabio Chizzola
terça-feira, setembro 19, 2006
desempoeirar-te
Há momentos que nos assaltam o sossego, que nos devolvem o que nos fomos roubando à revelia do que vive mais fundo. Em que as verdades que nos habitam, fora do alcance das mãos que amarramos, emergem à superficie do que empurramos para dentro e, de novo, respiram.
Foi bom desempoeirar-te do que estava a mais, sacudir-te o pó e as palavras, polir-te os sentidos, limpar-te os olhos embaciados pela distância. Ter-te a nu.
É sempre que nos despimos sem nos tocarmos que te sinto aqui. Como se nunca tivesses ido embora ou pudesses.
Há coisas que não se perdem, por existirem assim, sem e por querer.
Fotografia: Juan Gatti
domingo, setembro 17, 2006
por aqui
Pode ser que venhas. Num dos sonhos que me esperam.
Fotografia: Cliff Watts
sábado, setembro 16, 2006
quando cruzar
O que brotará dos meus olhos no dia em que os teus voltarem a tropeçar no trilho dos meus dias? O que nascerá ou morrerá nesse instante? Se gritos ou silêncio, se tudo ou se nada, se demais ou de menos. O que restará e o que sobrará no entremeio do que se cruzar entre nós?
Pergunto-me se poderás enxergar o que visto por dentro, os farrapos que deixaste e os relâmpagos que me fulminarão a carne e a alma nesse momento.
Será que verás como me ficaste quando te foste?
Fotografia: Michael Thompson
quarta-feira, setembro 13, 2006
de chuva
A tua ausência esteve hoje mais presente em mim, a latejar com um silêncio ruidoso e a mesma cadência da chuva que verteu lá fora as lágrimas que não sei chorar cá dentro .
Há dias assim. Destes, em que a tua falta é uma ferida aberta, imune a crostas e cicratizações permanentes. Por mais que sangre parece não estancar, esta saudade que não sei não te ter.
Fazes-me falta.
E hoje é como se todos os amanhãs fossem de aguaceiros fortes e eu nunca pudesse sarar-te, por dentro.
Fotografia: Peter Lindbergh
segunda-feira, setembro 11, 2006
terríveis
Simon Procter captou o vazio que jaz hoje no lugar onde há 5 anos se erguiam dois marcos dos EUA.
Nenhuma imagem conseguirá porventura dizer o que ali ruiu, para lá do betão, ferro e vidro, e em nome de quê ou de quem. Ali, e em tantos outros pedaços de terra, por este mundo que dizemos nosso.
A natureza humana é esmagadora e tremenda, na beleza e no horror que pode encerrar. Vejo-o todos os dias.
Pelo que nos ensinou, pelo que teimamos não ver, e por tudo o que ainda nos falta aprender, aqui fica.
Há poeira que não é para assentar. ou para esquecer.
Fotografia: Simon Procter
domingo, setembro 10, 2006
regresso
Estou de regresso ao que deixei para trás, quando me empurrei para o outro lado da linha, ao ver o fim de um destino que não era para ser este ou o meu.
Volto sem bagagem para o que é meu mas já não me pertence. Pelo menos, não como quando o larguei à pressa, sem tempo para dobrar ou arrumar os bocados entalados na mala demasiado pequena para caberes lá dentro. Então, ainda me era díficil encontrar sítio onde coubesses sem rebentares com os fechos e aloquetes que puxei atabalhoada e esfoguedamente com medo que o que se espalhasse e sobrasse fosse demais para eu carregar sozinha, de uma vez só.
Regresso sem peso e sem ti, para uma vida que é a minha, cheia de tudo o que fica e sobrevive aos desaires e tropeções do caminho em que levitamos, esmorecemos, corremos ou paramos e que julgamos o certo. Agora, é tempo de o percorrer de pé e com vagar, recolher o que ficou disperso e esquecido por aqui e me devolver o que me foi arrancado a ferro e fogo.
É bom estar de volta.
Fotografia: Fabio Chizzola
sexta-feira, setembro 08, 2006
quinta-feira, setembro 07, 2006
foco de incêndio
quarta-feira, setembro 06, 2006
palpitações
"...One night of magic rush
The start a simple touch
One night to push and scream
And then relief
Ten days of perfect tunes
The colors red and blue
We had a promise made
We were in love
To call for hands of above
To lean on
Wouldn't be good enough
For me, no..."
Chama-se "Heartbeats". José Gonzalez palpita-a com o corpo e a voz.
Agora, resta ouvir e deixar que bata... sem quebrar.
aos molhos
Preciso de um rasgo de cor que me enfeite a alma e os dias.
Daqueles que trazias guardados no âmago dos bolsos da pele que vestias. Dos que escondias atrás das costas e dos olhos, para me desarmares com surpresa ou perdição. Ou dos que me esticavas juntamente com as mãos, que me arrancavam a roupa e roubavam o sossego.
Preciso de luz, como tulipas aos molhos. E que me floresça por dentro o que murchou seco de ti.
Fotografia: GettyImages
encharcado
De ti, a febre com que me contaminaste a pele e a sede que me depositaste na boca. De ti, era o que podia ter bastado mas se entornou assim que te entranhaste e me ficaste.
De ti, tudo se fez nada. Àgua vertida na mesma mesa onde um dia despimos a vergonha, esbofeteamos a razão e se debateram o desejo e os corpos que deixavam de te e me pertencer.
Fotografia: Eryk Fiktau
branco sujo
Há palavras que se perdem na surdez do tempo. Que se fragmentam, contorcem, enrolam.
Há palavras que não vão sair. Por estares tu aí e eu aqui. Separados por este silêncio de facas afiadas por tudo o que me deste a menos, tudo o que me tiraste, roubaste, levaste contigo sem pedir licença. Aguçadas por tudo o que vai emergindo à medida que te afundas no deserto destes dias secos: os despojos de ti, do que aqui nasceu e agora não tem onde morar. Este silêncio que nos rasgou o laço, me furou a esperança e esburacou brilho nos olhos todas as manhãs.
Há palavras que não mais serão tuas ou minhas porque se lhes perdeu o dono e o sentido nesta coabitação promíscua de explicações, desculpas, mágoas, amor, traição, verdade, desejo e tudo o que se inventa por dentro e por fora quando não se pode parar bracejar. Tudo atirado para o mesmo saco que servirá depois para esconder a vergonha, a culpa, o medo, a cobardia e os olhares cheios de tudo o que ficou por dizer.
O que tenho para te dizer não cabe aqui. Ou em qualquer lágrima, gesto ou discurso, encenado ou não, que te pudesse dar. O que tenho para te dizer estilhaçou-se, com as quedas e os encontrões que foi levando desde que o empurrei para o mesmo saco onde puseste toda a vida que me estendeste nos teus braços.
Hoje, não há esquina que não te fale ou te cale.
Hoje, todas as palavras não estão em mim ou para ti.
Fotografia: Herb Ritts