quarta-feira, setembro 06, 2006

branco sujo


Há palavras que se perdem na surdez do tempo. Que se fragmentam, contorcem, enrolam.
Há palavras que não vão sair. Por estares tu aí e eu aqui. Separados por este silêncio de facas afiadas por tudo o que me deste a menos, tudo o que me tiraste, roubaste, levaste contigo sem pedir licença. Aguçadas por tudo o que vai emergindo à medida que te afundas no deserto destes dias secos: os despojos de ti, do que aqui nasceu e agora não tem onde morar. Este silêncio que nos rasgou o laço, me furou a esperança e esburacou brilho nos olhos todas as manhãs.
Há palavras que não mais serão tuas ou minhas porque se lhes perdeu o dono e o sentido nesta coabitação promíscua de explicações, desculpas, mágoas, amor, traição, verdade, desejo e tudo o que se inventa por dentro e por fora quando não se pode parar bracejar. Tudo atirado para o mesmo saco que servirá depois para esconder a vergonha, a culpa, o medo, a cobardia e os olhares cheios de tudo o que ficou por dizer.
O que tenho para te dizer não cabe aqui. Ou em qualquer lágrima, gesto ou discurso, encenado ou não, que te pudesse dar. O que tenho para te dizer estilhaçou-se, com as quedas e os encontrões que foi levando desde que o empurrei para o mesmo saco onde puseste toda a vida que me estendeste nos teus braços.
Hoje, não há esquina que não te fale ou te cale.

Hoje, todas as palavras não estão em mim ou para ti.

Fotografia: Herb Ritts