terça-feira, agosto 29, 2006

desintegrar-te

Já era tempo. O Amor não é como nos filmes, não se alimenta de ausências nem sobrevive do pingue pongue de toques inventados por imaginações carentes de adêene desconhecido. O Amor não é um grande plano de olhos fechados e de bocas entreabertas, com um magnífico pôr-do-sol de permeio e um piano piroso de fundo. Já era tempo, sabes. O Amor é uma janela que se fecha devagar para que não te constipes, é guardares-me a última colher de mousse e partilharmos a escova de dentes e o tédio das segundas à noite; é o riso cúmplice no velório de um primo distante e o depilar-me com a gilete com que te barbeias. Não, seguramente, esta estúpida nostalgia de violinos que se dispersa pelas minhas veias saudosas como veneno de cobra, a cada vez que me lembro de seguir um roteiro de palavras que não me pertencem porque já me esqueceram. Já era tempo de não tentar seguir-te o trilho, de perder a esperança de te encontrar as pegadas, às voltas, de volta, na minha direcção. Já era tempo de abrir os olhos, de virar-te a cara e cerrar-te os lábios (e que a noite caísse por fim entre nós). Seguir em frente. Sim. Já era tempo de seguir em frente.
Já era tempo de cortar o que cravaste cá dentro e deixar sangrar até estancar. Já era tempo de te desintegrar, a dentro.

Fotografia: Eryk Fiktau