sexta-feira, dezembro 15, 2006

esquecida

E temos de nos vestir de nós, à pressa, a roupa desbotada de todos os dias. A roupa que mal nos pertence, como uma farda incómoda. E a verdade é que, às vezes, mal me lembro de mim. Recito-me de cor como uma melopeia, sem me ouvir. Vou-me desvanecendo pelo caminho. Deixo o sorriso ali, certos gestos mais além, uma canção de que gostava perdida numa gaveta. Esqueço-me de me procurar. Esqueço-me. Deixo-me em casa. Deixo-me em qualquer lado, como um guarda-chuva. E nunca sei que responder quando me perguntam o que é feito de mim. O que é feito de todos nós? O que é feito do que somos feitos?
Dizia-te que voltei, no outro dia. Que achava que sim. De uma longa migração no estrangeiro do que mais sou. E, às vezes, queria mesmo que sim. Queria virar-me subitamente e ver-me lá, como antes. E chamo muitas vezes por mim. Pela que fui. Ou pela que julgo ter sido. Mas mais vezes pela que não consegui ser. Pela pessoa que sei que seria. Toda a gente era para ser outra, como se sabe.
De qualquer modo, se me vires, por exemplo, numa carta por enviar que deixei dobrada num livro que te tenha emprestado, devolve-me. Alisa os vincos e os cantos dobrados (sabes como detesto cantos dobrados) e devolve-me. Tenho-me feito muita falta.